terça-feira, 15 de janeiro de 2013

imagens do re-verso

Jorge Luis Borges 2Viviane Moséo tempo - Viviane Mosé - risquinhoViviane Mosé 2Jorge Luis Borges 3Saudade - Guimarães Rosa 2
Viviane Mosé 3Viviane Mosé 6Viviane Mosé 5Viviane Mosé 4Jorge Luis Borges 4Jorge Luis Borges
imagens do re-verso, um álbum no Flickr.


Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... (...) A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira.
MACHADO DE ASSIS, J. M., “O espelho”. In: Antologia, Civilização Brasileira, 1981.

Machado de Assis no conto O espelho, trata, por meio do narrador-personagem da existência de duas almas: a interior e a exterior, como duas metades. A leitura do texto foi um dos disparadores da reflexão a que me propus no trabalho imagético que se segue: o resgate dessa ideia de “alma exterior”, do reconhecimento do indivíduo nas coisas que o cercam, nos objetos, naquilo que ele vê, em projeção.

No trabalho em questão, reflito, por meio da criação de imagens poéticas, sobre o processo de individuação sobre o qual discorre o filósofo francês, Gilbert Simondon,  processo que acontece em nós tanto na relação com o Outro como na relação com as coisas, com o ambiente ao redor, no espaço e também no tempo, na duração em que isto se dá.

Do espelhamento sugerido por M. de A. nos estendemos para o tema da multiplicidade. Pode-se dizer que há o reconhecimento do indivíduo não só naquilo que ele vê, nas imagens que o rodeiam (imagens externas), mas também naquelas que ele cria (inspiradas em suas imagens internas), como no trabalho artístico.

Nesta abordagem, pode-se notar o acúmulo de camadas como sobreposições do tempo naquilo que envelhece – a poeira, pequenos pedaços de folhas secas, o verniz que se desfaz na superfície da madeira, os veios que se abrem em linhas fortes, os desenhos da ferrugem no metal em diversas tonalidades, raízes e musgos que crescem sobre a matéria, cascas que se quebram – além da sobreposição das palavras sobre a imagem, dialogando com a composição fotográfica, como mais um elemento material incluído na obra. A intersecção entre fotografia e literatura traz também a multiplicidade da linguagem, produzindo imagens em conjunto. A obra oferece uma experiência sensorial, ao explorar o olhar háptico na construção de sua plasticidade. Como numa obra aberta, são múltiplas também as interpretações, pois a obra só se completa ao despertar as sensações e o referencial próprio do receptor. As imagens oferecidas são fragmentos de objetos ou de espaços maiores, que não são dados a ver por completo, fazendo com que a interpretação e o sentido só se completem na imaginação e na mente de cada um.

Para a execução desta obra foram feitas as fotografias na cidade de origem da autora, no interior do estado de São Paulo. As matérias-primas foram partes dos portões de entrada de sua casa e outros elementos pertencentes à antiga fachada. Após ter feito as fotografias, houve a seleção do material e impressão em papel fotográfico mate fosco, possibilitando a inserção dos textos com o uso de nanquim e tinta acrílica. Tais fotos foram, então, refotografadas, sem inserção de filtros ou recursos de tratamento de imagem. 

Para a escolha dos textos foram selecionados poemas da escritora e filósofa capixaba Viviane Mosé (incluindo a frase do escritor Guimarães Rosa, citada por ela em um de seus livros) e partes de poemas do escritor argentino Jorge Luis Borges.

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