domingo, 19 de dezembro de 2010

Uma possível abordagem de "Fando e Lis" ou "Tem mais presença em mim o que me falta"

por Carolina Bassi

Fando e Lis, peça escrita pelo poeta, dramaturgo e cineasta espanhol Fernando Arrabal é um texto contundente nas críticas e no apelo espiritual à humanidade. Escrito em 1955 e ligado aos movimentos do Teatro do Absurdo e do Surrealismo, esta obra dramática possui cenas que poderiam ser consideradas absurdas se entendidas “ao pé da letra”. A leitura deve ser outra, os absurdos aqui são usados como metáforas, potencializando as idéias que apresentam, tal qual um poema.

O texto de Arrabal expõe a estranheza e o paradoxo das relações humanas, a dificuldade de comunicação entre os homens. Todos os personagens parecem desafortunadamente se desencontrar em suas tentativas de aproximação.

Todos buscam algo precioso em sua trajetória – seja encontrar aquele desconhecido espaço chamado Tar, seja o sentido da vida, ou a felicidade. De todo modo, sabemos que não temos garantias de sucesso em tarefas nem sempre tão fáceis em nossa vida. E por esse ângulo podemos ver mais um ponto positivo da obra de Arrabal. Ele insiste, através dos personagens Lis e Toso, que mesmo sem garantias, o importante é se colocar a caminho.  Não seria mesmo muito mais precioso o percurso que percorremos para alcançar nossos objetivos do que os próprios objetivos em si? Não seria o sentido da vida a sua própria busca de sentido? Ou ainda, não seria a felicidade a eterna busca por encontrá-la?

Mas, assim como o homem comum parece amedrontar-se e sabotar-se diante de uma grande  conquista em sua vida, os personagens desta história oscilam entre seguir e escapar a seu propósito por meio de inúmeros subterfúgios. Mitaro e Namur perdem tempo com toda a sorte de discussões inúteis; Toso, que parece mais determinado e consciente da busca, permanece atrelado aos colegas sem conseguir sair do lugar; Lis, gentil e amorosa, tem muita vontade de chegar a Tar, porém une-se a Fando, homem rude, truculento e sádico que impossibilita pouco a pouco todas as suas chances de sucesso e alegria.

Na figura destes dois personagens centrais, outras questões se colocam, como a falta de auto-estima e confiança em si mesmo e o desejo de ser amado. Lis se coloca sob a proteção de Fando, confere a ele essa sensação de poder que o agrada. Mas quando esta se torna uma relação de posse, ele a “coisifica” e acaba por excluir todo o seu direito à vontade própria, culminando em sua morte.

A metáfora desta relação é grandiosa, pois pode ser estendida a muitas instâncias. Estende-se a todas as disputas de poder sociais, estejam elas relacionadas à esfera profissional, fraternal ou passional. Por todas estas razões de cunho universal, esta obra é bastante atual e sua realização de extrema importância – à medida em que nos provoca a rever nossas posturas mundo afora. Afinal, a repressão física, psíquica e intelectual existe em todos os lugares e impede que a humanidade cresça, para além de seus medos inconfessos.

Com gratidão ao Fred que me apresentou e propôs este texto e a Marcos Cesana que me emocionou com sua leitura no papel de Fando, em reunião do Grupo Chão de Teatro ano passado.

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